31/10/08

Desassossego (5)

Tenho estado perdida nos meus pensamentos, analisando a vida: aquilo que quero, aquilo que espero e aquilo que tenho feito para o conseguir alcançar.

Já estou nisso há alguns dias e não chego a conclusão nenhuma. Na minha cabeça há um nó que não deixa espaço para nada.

Os sentimentos estão à flor da pele, mas não consigo identificá-los, ou não o quero fazer. Não tenho condições para tal. A minha cabeça está demasiado activa. Estou em hipertrofia. Já cheguei ao ponto de me estar a deitar mentalmente exausta e acordar ainda pior, a dor de cabeça está cada vez mais aguda.

Preciso fazer qualquer coisa. Preciso ordenar pensamentos. Preciso calar os "Eus" que divergem sem se ouvirem, falando todos ao mesmo tempo. Tenho que os obrigar a falar um de cada vez. Tenho de os obrigar a escutar o que os outros dizem. Tenho que dar coerência ao meu discurso e às minhas atitudes. Tenho que optar, tenho que agir sem medo. E de momento, com toda esta batalha não consigo. Fico paralisada, sem capacidade de resposta, com a luta infernal em que o meu "Eu" Racional e o meu "Eu" Emocional entraram.

Papel estúpido e ingrato que os dois estão a desempenhar, numa batalha que não tem sentido e que só me afunda mais no estado de burrice emocional em que me encontro. Não sei o que quero. Melhor dizendo, sei o que quero, mas o que quero é algo sem pés nem cabeça.

Quero recomeçar a minha vida, mas não quero sair do ninho de conforto em que estou. O equilíbrio em que me encontro é me bastante útil, conheço-o, sei como lidar com ele, sei como estar nele e voltar para ele em qualquer situação com que me depare.

Mas recomeçar requer ir por caminhos que não conheço, requer estar em situações que não domino, requer andar em equilíbrio sobre a corda sem rede por baixo, requer abrir-me aos outros, requer demonstrar sentimentos que me habituei a guardar, requer estar exposta aos outros, mostrando como realmente sou (fragilidades incluídas).

Será que consigo entrar nesse caminho em que, para além de confiar em mim, tenho de confiar nos outros?


21/10/08

Devaneios (6)

Às vezes pergunto-me porque perdemos hábitos saudáveis. Hábitos que nos libertam e nos fazem desligar do que nos rodeia. Hábitos que nos fazem conhecer melhor a nós mesmos. Pequenos hábitos, pequenos gestos. Algo que achamos que nos acompanhará para toda a vida.

Não percebo porque deixei para trás tantos pequenos hábitos. Larguei a escrita, larguei as longas caminhadas pela cidade, largeuei as tardes na esplanada acompanhada por um bom livro e uma boa música, larguei as idas compulsivas ao cinema para ver o filme que stá prestes a começar, larguei a dança.

O único hábito que mantive, foi a forma sitemática de largar: o constante adiar, sempre para mais logo ou para amanhã, os velhos hábitos que criei. Enredo-me em todos estes conceitos abstractos, pois sei que têm a capacidade de nunca vir.

O meu quarto é o reflexo exacto do meu adiar, é o reflexo exacto do estado actual em que me encontro: desordem, indecisão.

Uma vez mais ando perdida no rumo a dar à minha vida. Uma vez mais, sinto a rotina a querer abalar-me. Ando preocupada com tantas coisas que não consigo definir que rumo tomar. Noite após noite sinto que me roubam um pouco do meu sono. Vão gastando as minhas energias e degastando a minha autonomia.

Estou a chegar àquela fase que de tanto pensar e de tanto me ouvir, acabo por não ter tempo para agir. Não estou no meu timing, não encontro o meu timing, não consigo defini-lo e muito menos reconhecê-lo.

Preciso de um novo equilíbrio, preciso de me reencontrar com o meu caminho.


12/10/08

Manhãs

São cinco da manhã, a quietude que me rodeia contrasta com o turbilhão ensurdecedor das preocupações que me ocupam a cabeça e me pesam os pensamentos. Quero descansar. Preciso disso, para me sentir calma e tranquila, mas não consigo.

Os lençóis já me pesam, o calor do meu corpo nu sobre a cama é mais intenso e insuportável do que o silêncio da casa, do que o silêncio do prédio e do que o próprio silêncio da rua, que ainda dormem, esperando o raiar do novo dia. Não consigo encontrar uma posição confortável para estar. Já dei voltas e mais voltas pela cama, mas nada me conforta.

O tecto branco, que no escuro da noite, me parece sempre carregado de sombras e fantasmas, deixa-me ainda mais intranquila. Faz com que as sombras que encobrem a minha vida e os fantasmas do meu passado, persistam em invadir a minha mente.

Já me tapei e destapei mil vezes, os lençóis estão tão engelhados no meu corpo que o sinto presa. O calor parece continuar a aumentar, ou a preocupação e a minha inquietação fazem com que eu sinta isso.

As horas avançam muito lentamente. A noite parece não querer passar. O meu sono vem e vai, incansável. Tanto como os pensamentos e os medos que não deixam a minha cabeça sossegar e o meu corpo repousar.

O Verão está quente, ainda só se vislumbram umas nesgas de claridade que anunciam o chegar da manhã, mas parece que estamos em pleno calor do meio-dia.

São 7 horas, quando, finalmente, é quebrado o silêncio da casa. No quarto ao lado do meu, o António vai, cautelosamente, quebrando esta imposição nocturna.

O seu despertador toca e ele tenta sempre desligá-lo ao primeiro toque, fazendo o possível para não incomodar o meu sono. Quase sempre é em vão, não por descuido dele, mas sim por as minhas noites virem quase sempre acompanhadas pela insónia.

Fico feliz quando, do meu quarto, oiço o silêncio da casa partir com o despertar do António. O suave abrir e fechar da porta do quarto, a passada arrastada dos chinelos pelo chão, em tacos de madeira envernizada, quando se encaminha para a casa-de-banho, o respingar da água do chuveiro, durante o seu duche rápido. Estes são alguns dos seus pequenos hábitos diários que assinalam o começo de um novo dia.

A noite já passou, transmitem as ondas do meu cérebro aos meus fantasmas e sombras que, depois de receberem esta informação, desaparecem como se nunca tivessem estado comigo. É mais um dos momentos que me dá prazer.

O António prossegue a sua rotina diária. Agora oiço, ao longe, na cozinha o tilintar da chávena de café no pires, o despertar do motor do frigorífico, quando o abre, para tirar o leite que junta ao café quente. Sinto o aroma inconfundível do pão acabado de torrar e do café acabado de tirar.

Por breves minutos, volta a reinar o silêncio, que é novamente quebrado quando o António regressa ao quarto, volta a abrir e fechar a porta e começa a vestir-se para ir trabalhar. Um novo aroma invade a casa. O seu perfume.

Volta a abrir e fechar a porta do quarto e caminha para a sala, agora numa toada mais rápida e barulhenta, causada pela sola de couro dos sapatos que usa.Lá, remexe nos móveis à procura da carteira, das chaves de casa e do carro e dos documentos. Embora os coloque todos os dias no mesmo local, vagueia por alguns instantes por esta divisão da casa. não sei o que motiva este seu comportamento. Eu equiparo-o a um buscar de energias que lhe preparam, física e psicologicamente, para enfrentar mais um dia de trabalho.

O derradeiro ruído que faz é a sair de casa. Destranca a porta da rua, abre-a, sai e fecha-a. O silêncio volta à casa, em pouco mais de uma hora. Depois das 8h15, já não há vestígios do António em casa.

Eu continuo na cama a tentar ganhar coragem para me levantar.



08/10/08

Devaneios (5)

O pior grito, a pior necessidade e o pior silêncio, são aqueles que são mudos e nos ensurdecem por não serem entendidos, explicados e ouvidos.

As mudanças têm destas coisas.

Há alturas em que as entendemos e aceitamos, outras em que entendemos mas não aceitamos, outras em que não entendemos e aceitamos e ainda outras em que não entendemos e não aceitamos.

Tudo porque não reconhecemos o reflexo que o espelho nos dá, não o identificamos como nosso.

O que fazer? Esperar por um novo dia e quando este dia chegar perceber que já não nos incomodamos com o que fomos, com o que somos e nem com o que seremos.


Pontos de Vista

- Dependência e posse andam de mãos dadas.

-Sim, para haver quem dependa, tem que haver quem possua. Ou para haver quem possua, tem que haver quem se deixe possuir.

- Exactamente! E às vezes o sentimento de posse vem de quem depende. E acaba por depender, também esse, de alguém que depende dele...

- Há quem abdique do que realmente é para se transformar naquilo que o outro quer, deixando-se engolir pelo outro. Acho que se acaba por ir parar à velha questão da falta de amor próprio e de auto-estima. Não acreditar que se tem mais-valias como qualquer outra pessoa e que se é importante.

- Já me aconteceu... A dada altura ía sendo engolida... Saí a tempo... Mas ficaram marcas.

- Pois, ficam sempre. Principalmente quando levamos toda a nossa vida a lutar para que isso não aconteça.

- Mas passam, porque eu sou facilmente reciclável em relação aos maus momentos.

- Isso é bom. Gostava de ter esta capacidade um bocadinho mais apurada.

- Sabes?... Eu sofro muito, descabelo-me, choro torrencialmente, custo a esquecer, mas ultrapasso. Impeço que o sofrimento me castre os sonhos e a vontade de amar e ser amada.

- Pois. Eu chorava, agora não choro. Eu esquecia, agora não deixo o sofrimento chegar. E deixei que o medo de sofrer e de ser rejeitada me castrasse os sonhos e a vontade de amar e me deixar ser amada.

- Pois, eu cá acho que as pessoas devem deixar que o sofrimento lhes aconteça. Quanto mais não seja fá-las crescer e depois é olhar para a vida pensando no lado positivo de cada momento menos bom.

- Deve ser isso...

- Mas tu não deixas que eu sei.

- Pois...

- Deixa só um bocadinho...

- Não consigo, não sei como se faz.

- Respira fundo... Ventila... Deixa correr e sente... Se chorares não faz mal, porque o meu ombro estará sempre aqui e sozinha nunca estarás. Se sorrires será lindo e eu estarei cá na mesma para me sentir feliz por ti.

- Parece simples. Mas tenho uma cabeça que está constantemente a sabotar-me.

- E é. Esquece a cabeça.

- Mais uma coisa que não sei fazer.

- Sabes, sabes... Não penses, sente.

- Aprendi a controlar e não deixar sair o que vai dentro do coração, que muitos acham que eu não tenho, e agora dá nisso.

- Eu cá sou das que acreditam que tens o coração escondido. Só isso.

- Para além disso, não sei se os outros merecem aquilo que tenho para dar. E, acima de tudo, se eu mereço o que os outros têm para me dar.

- Se não merecem acabamos por sofrer mas também acabamos por ser mais astutas na identificação de cabrões.

- Achas que passamos a identificá-los melhor? Eu não sei.

- Acho que sim. Sem dúvida absolutamente nenhuma. Além de que conseguimos perceber se a outra pessoa está no mesmo comprimento de onda que nós. Se não está (seja qual for o motivo) é sair fora.

- Acho que chega uma fase em que deixamos de acreditar na nossa capacidade de avaliar o carácter dos outros. E isso leva-nos ao descalabro total. Já que em tudo o que os outros dizem procuramos segundas intenções. Ouvimos aquilo que dizem, filtramos, filtramos, filtramos e no final nada passa. Achamos que tudo não passa de mentiras.

- Esquece as segundas intenções, mas interpreta a comunicação entre linhas (que podem não ter segundas intenções). É uma questão de: ou agir fria e descontraidamente; ou agir observando, interpretando, conhecendo... Mas igualmente sem medos, nem reservas. Qualquer coisa que faça soar o alarme é agir em conformidade com o desaforo. Sim porque somos boazinhas até ao momento em que nos pisam os calos ou se esticam...

- Acho que passei a ter mais medo de mim do que dos outros. Muitas vezes parece que acabo por magoar os outros para não ser magoada, que acabo por usar os outros para não ser usada.

- Pois, eu sei e sinto isso mesmo em ti... Mas vai passar.

- Já tive mais esperença nisso.

- Nem uma coisa, nem outra é boa... Vai mudar... Se eu digo é porque vai.